Papel do médico é fundamental frente à maior epidemia de dengue da história
Há quase duas décadas, o médico virologista Maurício Lacerda
Nogueira dedica-se às pesquisas de arboviroses, sendo considerado uma das
principais autoridades do mundo sobre dengue, zika, chikungunya, entre outras
doenças deste espectro. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia,
co-autor de estudos referências em todo o mundo e de vários artigos publicados
nas principais publicações científicas internacionais, Maurício fez questão de,
como associado da Sociedade de Medicina e Cirurgia, dar uma pausa para falar à
Revista da APM Rio Preto. Na entrevista, o virologista alerta para a gravidade
desta epidemia de dengue e desta a importância do médico nesta batalha.
Por que esta epidemia de dengue preocupa tanto?
Dr. Maurício Nogueira- Nós estávamos vivendo uma
situação que, nos últimos 20 anos, nunca vi em Rio Preto. Nós tivemos, em 2024,
uma epidemia de dengue, não das maiores, mas que nunca retrocedeu. O número de
casos diminui, mas sempre ficou no chamado perfil epidêmico durante 2024
inteiro e emenda com novo aumento de casos, culminando na epidemia atual.
Apesar de ela vir continuamente desde 2024, na verdade nós tivemos três etapas
diferentes. Começa em 2024 com uma epidemia de chikungunya, junto com dengue 1.
Uma grande confusão, casos de chikungunya diagnosticados como dengue. Entre março
e abril de 2024, há a mudança para a epidemia de dengue 2, que transcorre até
novembro. No final do ano para 2025 a gente começa a detectar alguns casos de
dengue 3, que não circulava e torna-se o principal agente, levando a atual epidemia.
Então, o que vemos é um fenômeno muito complexo.
Complexo em que sentido?
Dr. Maurício Nogueira - Dengue 3 é um vírus agressivo,
e não circulava em Rio Preto desde 2009. Então estamos falando de 15 anos sem
circulação do vírus, numa população que não tem imunidade, portanto, a epidemia
é inevitável. Há outro complicador. A gente sabe que infecções sequenciais por
dengue são complicadas. As pessoas ficam mais graves quando têm dois episódios
de dengue em seguida, com alguns anos de intervalo. É muito pior quando essa
sequência é dengue 1 e dengue 3. E nós tivemos, nos últimos 10 anos, uma
circulação muito grande de dengue 1 no município. Então, essas pessoas que
tiveram dengue 1 e estão sendo expostas à dengue 3 agora têm grande chance de
terem estado de saúde grave, como estamos constatando agora. Estamos registrando
um número de casos graves muito maior do que estávamos acostumados, inclusive
um número de mortes muito maior.
Qual o papel do médico diante desta epidemia?
Dr. Maurício Nogueira - A dengue é uma doença grave,
mas, ao mesmo tempo, não é difícil de tratar, se você fizer o diagnóstico
rapidamente. Muitas das complicações que a dengue causa são por causa do
desequilíbrio hidroeletrolítico, que são os fenômenos vasculares causados
principalmente pelo extravasamento de líquidos e pela perda de líquidos. O que
cabe ao médico é reconhecer a doença e intervir precocemente através de métodos
de hidratação. Você não precisa ser um especialista em tratar a dengue para
poder recomendar uma hidratação vigorosa ao paciente e orientá-la a procurar
atendimento especializado. Não devemos menosprezar a gravidade que a dengue
pode ter, pois uma pessoa que está relativamente bem agora pode ficar mal muito
rapidamente devido à desidratação.
Além de atuar no diagnóstico precoce da dengue, o médico
pode contribuir de mais formas para combater a epidemia?
Dr. Maurício Nogueira - Sim, nós, médicos, temos um
papel fundamental na conscientização da população, seja com cada paciente durante
a consulta ou junto à comunidade. Disseminar e reforçar a informação de que o
mosquito Aedes aegypti não voa longe, então os focos estão muito próximos da
nossa residência, em geral estão na nossa residência, nos nossos vizinhos,
então trabalhar enquanto cidadãos em comunidade para o controle do mosquito é
fundamental. Existem opções de vacina para certas faixas etárias que devem ser
estimuladas corretamente quando indicadas. Nós também não devemos menosprezar a
gravidade da doença, então sempre que tivermos a hipótese diagnóstica,
recomendar e levar isso a tratamento.
Em suma, não importa a especialidade, o médico tem papel
fundamental no combate à dengue, certo?
Dr. Maurício Nogueira - Não importa a sua especialidade
médica, você tem que estar preparado para responder as dúvidas e não apenas
tratar, mas educar a comunidade sobre os riscos e as formas de combater essas
doenças. E diagnosticá-las, porque os métodos são relativamente simples,
disponíveis das unidades básicas de saúde aos hospitais mais complexos do
município. O importante é que todos nós sejamos capazes de fazer a hipótese e
referenciar o paciente ao serviço especializado.