Responsabilidade civil e termo de consentimento esclarecido
Luís Antonio Velani
Os deveres dos profissionais de saúde, conforme Hipócrates no seu célebre juramento, se baseavam em dois princípios bioéticos: beneficência: “aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento”, e não maledicência: “nunca causar dano ou mal a alguém” (“primum non nocere”).
O ilustre cancerologista e pesquisador norte-americano Van Rensselaer Potter, acompanhado por Beauchamp e Childress, ampliou os conceitos Hipocráticos para quatro princípios básicos, sendo dois deontológicos: “não maleficência e justiça “e dois de caráter teleológico: “beneficência e autonomia “.
Dos quatro princípios, considerando-se a relação médico paciente ante as lides judiciais, o mais importante e fundamental é o Princípio da Autonomia: termo derivado do grego “auto” (próprio) e “nomos” (lei, regra, norma), que se resume na capacidade, no direito que toda pessoa capaz deve possuir de decidir sobre sua vida, sua saúde, de optar pelo que lhe pareça ser o correto.
O Código de Ética Médica de 1.988 (Resolução CFM nº 1.246/1.988) elegendo este princípio como embasamento (destacados principalmente nos artigos 46, 56 e 59 e sob o amparo da Constituição Federal atual (1.988) e Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078 de 11/09/90), instituiu o princípio da autonomia do paciente como um direito elementar.
A partir de então, pouco a pouco, o paciente passou a participar mais efetivamente da relação médico paciente vindicando o seu direito à autonomia, isto é, passou a exercer o seu direito de decisão às opções terapêuticas para o seu tratamento. Muito se discutiu sobre a forma de comprovar o envolvimento do paciente neste processo de decisão acreditando muitos facultativos que bastava os esclarecimentos verbais e os devidos registros em prontuário. Tal convicção, entretanto, que se embasava do sistema paternalista vigente antes do Código de 1.988, não se sustentava perante a necessidade de se comprovar em juízo.
Assim, surgiu o Termo de Consentimento Esclarecido - TCE que, juridicamente, é o documento de maior importância dentre todos os que compõem o prontuário médico-hospitalar e possui o atributo de orientar o paciente sobre os aspectos de sua enfermidade, as alternativas de tratamento para sua opção, as eventuais intercorrências advindas do tratamento ou cirurgia e, por fim, a permissão para o procedimento.
É também, com absoluta certeza, um dos principais documentos a instruir a defesa do médico em uma lide judicial, podendo, inclusive, provar sua inocência quando o dano sofrido pelo paciente estiver previamente elencado entre as intercorrências ou complicações admitidas como iatrogenia.
Infelizmente o TCE ainda não é plenamente aceito ou adotado por um grande número de profissionais, que se utilizam de pseudos termos de consentimentos genéricos e termos de adesão que na maioria das vezes são apresentados ao paciente momentos antes de um procedimento ou internação hospitalar.
O TCE ocupa hoje lugar de destaque nas lides judiciais, sendo inúmeras as decisões que analisam sua efetividade, sua correta aplicação no tratamento médico sub judice.
Acumulam-se decisões em que o TCE é a base do julgamento. Termos de Consentimento incompletos ou genéricos, apresentados no momento da internação e que não cumprem o dever de informar, são frequentemente citados em decisões condenatórias.
Imperioso entender que os termos de consentimento “esclarecido” genéricos, encontrados facilmente na internet, são termos de adesão, quando o paciente, geralmente, assina sem ler, inclusive com a inserção da famigerada letra “X” no campo da assinatura e, portanto, um documento inútil para comprovar que o paciente foi devidamente esclarecido e aceitou os riscos inerentes ao procedimento.
O Termo de Consentimento Esclarecido, portanto, merece atenção especial na sua elaboração por parte dos médicos pois, deve ser personalíssimo, específico para cada tipo de procedimento e conter vários requisitos, dos quais destacamos, principalmente, que:
- não terá força probatória se for verbal, precisa ser escrito e firmado;
- não deve ser do tipo adesão, deve conter as peculiaridades de cada procedimento e pacientes;
- deve possuir linguagem leiga, evitando-se tanto quanto possível os termos técnicos eventualmente inacessíveis ao nível de entendimento do paciente.
- deve ser aplicado com razoável antecedência para que o paciente possa analisá-lo adequadamente, inclusive apresentando o documento a uma pessoa que possa lhe auxiliar na apropriada compreensão.
O Código de Ética Médica atual traça diretrizes seguras para o exercício da medicina, sendo uma das formas de se prevenir para evitar a responsabilidade civil, e dever de indenizar, o cumprimento estrito dos deveres éticos profissionais nele dispostos, tais como:
a) Elaborar Termos de Consentimento Esclarecidos individualizados e específicos para cada procedimento a ser realizado, para informar ao paciente, entre outras coisas, sobre as práticas diagnósticas ou terapêuticas, diagnóstico, prognóstico, riscos e objetivos do tratamento;
b) Preencher corretamente os prontuários, com informação precisa e detalhada de todos os procedimentos e dados clínicos necessários;
c) Possibilitar ao paciente, ou na sua impossibilidade, a seu representante legal, o acesso ao seu prontuário e lhe oferecer cópia, caso seja solicitado;
d) Dar todas as explicações necessárias ao paciente, ou seu representante legal, de forma clara, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros;
e) Atuar sempre com base em evidências científicas, especialmente, sobre as tendências e práticas médicas;
f) Estar atualizado sobre a legislação e regulamentação ética relacionada à prática médica.
Desta forma, a prevenção para evitar a caracterização da responsabilidade civil e, a consequente condenação, não só é possível como imprescindível.
Luís Antonio Velani é advogado da assessoria jurídica da APM – Regional São José do Rio Preto