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Saúde mental do corpo clínico

Dr. Henrique Nietmann

 Desde o ingresso nas escolas médicas aprendemos que, por definição da OMS, o termo SAÚDE é o estado de bem-estar físico, mental e social saúde mental. Aprendemos como investigar, diagnosticar e tratar de nossos pacientes em todos estes aspectos e fazemos disso nosso objetivo de vida desde o nosso juramento a Hipócrates. Vermos o resultado de nosso trabalho e nossos esforços quando conseguimos curar ou amenizar o sofrimento de alguém é extremamente gratificante, entretanto tal dedicação cobra seu preço.  Atualmente, a saúde mental do corpo clínico é um tema de extrema relevância que tem recebido crescente atenção nos últimos anos. Médicos, enfermeiros, psicólogos e outros profissionais de saúde enfrentam diariamente situações de alta pressão, longas horas de trabalho e a responsabilidade de cuidar da vida de inúmeras pessoas. Esses fatores podem ter um impacto significativo na saúde mental desses profissionais, resultando em altos níveis de estresse, ansiedade, burnout e outras condições.

Os profissionais de saúde frequentemente trabalham em ambientes de alta pressão, onde a demanda por serviços é constante e intensa. A escassez de pessoal, combinada com a necessidade de fornecer cuidados de alta qualidade, pode levar ao esgotamento físico e mental. A responsabilidade de cuidar de pacientes e tomar decisões críticas sob pressão pode ser esmagadora. O medo de cometer erros, que podem ter consequências graves para a vida dos pacientes, contribui para os altos níveis de ansiedade e estresse entre os profissionais de saúde pois todos os dias somos expostos a situações traumáticas, como a morte de pacientes, acidentes graves e doenças terminais e essa exposição contínua pode levar a transtornos de estresse pós-traumático (TEPT) e outras condições relacionadas ao trauma.

Somam-se a isso as longas horas de trabalho e as demandas contínuas que dificultam o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e muitos profissionais de saúde lutam para encontrar tempo para descansar, socializar e cuidar de si mesmos, o que pode agravar problemas de saúde mental.

O burnout é um destes problemas e se caracteriza pela exaustão emocional, despersonalização e uma sensação de realização pessoal reduzida. Além disso, os altos níveis de estresse no ambiente de trabalho podem levar ao desenvolvimento de depressão e ansiedade. A pressão constante, combinada com a falta de apoio adequado, pode resultar em sentimentos de desesperança, tristeza e preocupação constante. Longas horas de trabalho e os turnos noturnos também podem levar a problemas de sono, como insônia e sono não reparador, agravando ainda mais os problemas de saúde mental e prejudicando o desempenho no trabalho.

Não é a toa que, em pesquisa recente entre médicos realizada pela AFYA de 2022 mostrou que, de 3489 colegas que responderam a um questionário, formado em sua maioria (59%) por médicos especialistas, 57% deles concordam que os níveis de estresse comprometem sua capacidade de trabalho, sendo que 30% destes reconhecem que tais níveis de estresse já os levaram a cometerem erros. Em relação a sintomas depressivos, 30% afirmam não terem apresentado sintomas, porém 28,6% possuem diagnostico atual e depressão e 23,4% apresentam sintomas, mas ainda não acompanham. Um dado mais alarmante ainda demonstra que, mesmo sem acompanhamento específico, 50% dos profissionais fazem uso de alguma substância psicoativa e que 1 terço destes estão se automedicando.

Portanto, fica evidente que, com os dados expostos acima, nossa classe necessita urgente de medidas de prevenção e cuidado, mas que infelizmente ainda não está recebendo a devida atenção de nossos gestores e colegas. Porém há luz no fim do túnel!  Oferecer suporte psicológico aos profissionais de saúde é essencial para promover a saúde mental. Sessões de terapia, grupos de apoio e aconselhamento para ajudar os profissionais a lidarem com o estresse e as emoções difíceis, campanhas sobre a importância da saúde mental e como reconhecer os sinais de problemas, programas de formação que incluam técnicas de gerenciamento de estresse, autocuidado e resiliência podem ser estratégias eficazes no combate a essas mazelas.

 Além disso, é imprescindível a implementação de políticas de trabalho que promovam um equilíbrio saudável entre vida profissional e pessoal. Redução de horas de trabalho excessivas, turnos mais curtos, pausas regulares e a criação de um ambiente de trabalho que ofereça suporte e valorização aos profissionais de saúde pode fazer uma grande diferença. Isso inclui um bom relacionamento entre colegas, reconhecimento do trabalho bem-feito e um ambiente onde os profissionais se sintam seguros para expressar suas preocupações.

Em suma, a saúde mental do corpo clínico é um tema complexo e multifacetado que requer atenção e intervenção contínuas. Reconhecer os desafios enfrentados por esses profissionais e implementar estratégias de suporte eficazes é fundamental para garantir que possam continuar a fornecer cuidados de alta qualidade aos seus pacientes. Investir na saúde mental dos profissionais de saúde é, em última análise, um investimento na qualidade do sistema de saúde como um todo.

 

Dr. Henrique Nietmann é cirurgião torácico e delegado junto à APM.