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Aos profissionais da saúde, o nosso reconhecimento

Dr. Leandro Freitas Colturato


A homenagem aos colegas médicos e demais profissionais da saúde realizada pela nossa Regional APM deveria ser diária, habitual pela minuciosa precisão que têm em suas profissões. Porém, há pouco mais de 2 anos, os holofotes os iluminaram como a muito não se via. A importância de suas ações agigantava ainda mais suas profissões a cada segundo. Triste acreditar que a luta incansável pela vida alheia precisou levar mais de 6 milhões de vidas para finalmente ser valorizada, como se nenhuma luta tivesse ocorrido em dias anteriores à pandemia. Há dois anos, nos deparávamos com algo inimaginável. Uma doença nova, que pouco se sabia. Especulações e fakenews atordoavam diariamente todos nós. Estudos sólidos tornaram possíveis em tempo recorde, o desenvolvimento de vacinas que tentam trazer a normalidade de volta.

Os números mostraram exaustivamente a crítica realidade dos que atuaram na linha de frente e que lidaram diariamente com dor, tristeza, esgotamento físico e mental e medo da contaminação e da morte. Muitos tiveram a vida alterada de modo significativo; perda de entes queridos; excesso de trabalho com jornadas para além das 40 horas semanais; a falta, a escassez e a inadequação dos EPIs; danos à saúde mental, como perturbação do sono, irritabilidade, dificuldade de concentração e pensamento negativo; episódios de violência e de discriminação; falta de reconhecimento por parte da população; e a privação do convívio social e familiar.

Em tempos como esse que nos coube forçosamente viver o perigo, os profissionais da saúde são os primeiros a serem expostos porque sua vocação é atuar onde a vida encontra-se ameaçada, expondo medo e dor. É diante disso que eles ouvem o apelo mais profundo da humanidade, na sua hora mais verdadeira e frágil. Foi a doença e o sofrimento que a acompanha, que expuseram diante deles o rosto perdido e impotente daquele que não pode mais cuidar de si mesmo e, por isso, busca auxílio. No dicionário da ontologia, o nome disso é fragilidade.

Face aos pacientes, isolados e sozinhos em um leito, que eles realizam sua vocação para o cuidado. Cuidar é meditar com ponderação, pensar, reparar, atentar para e prestar atenção em. No dicionário da ética, o nome disso é bondade.

Por isso, os profissionais da saúde devem ser reverenciados.

Seus conhecimentos devem ser respeitados e sua dedicação em estudar o novo deve ser enaltecida.  Nas suas mãos, todos entregamos o que é mais caro, a nossa própria vida. A ação de vocês é uma arte baseada na ciência, cujo objeto é a cura, compreendida ao longo dos séculos como a devolução de um organismo ao seu estado natural.

Aos colegas, deixo o dizer do médico português João Lobo Antunes: “Não sei o que nos espera, mas sei o que me preocupa: é que a medicina, empolgada pela ciência, seduzida pela tecnologia e atordoada pela burocracia, apague a sua face humana e ignore a individualidade única de cada vez mais modos de tratar, não se descobriu ainda a forma de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão”.

Nos últimos anos, nós, profissionais da saúde, temos sofrido muito. A pandemia só veio para mostrar o lado mais difícil. Passamos por uma crise política que, em muitos momentos, parece não ter fim. Crises econômica, assistencial, da saúde, enfim, momentos difíceis a serem superados. Mesmo com todos estes empecilhos, vocês jamais deixaram de cumprir suas obrigações com o máximo de perfeição que lhes cabem. Amor ao trabalho, empatia, compaixão, coragem e a crença num futuro melhor para a humanidade estão, sem dúvida, entre as principais razões para seguirem em frente.

Vivemos uma era em que atuar na saúde fica cada dia mais difícil. Não é fácil ser profissional da saúde. Lidamos com emoções extremas, interagimos com esperanças, fés, lutos e negações. Vivemos uma exigência social que demanda uma atuação perfeita, sem erros, que talvez pudesse ser realizada por não humanos. Uma classe política que, em muitos momentos, nos usa como bode expiatório para desviar outros focos.

Por fim, é hora de homenagear quem tem o poder curativo. Se não ele, pelo menos o poder de aliviar as dores e oferecer consolo. As cenas destes profissionais, de forma anônima por trás de suas máscaras e seus aventais, devem ficar apenas na memória. Hoje, o que deve ser exaltado é a capacidade deles em compadecer diante da dor alheia. Nessa época de escuridão, não há nada que substitua essa vocação. O reconhecimento da função social destes colegas é tão mandatório quanto a certeza de que a maioria de nós estará, cedo ou tarde, em suas mãos. Se possível fosse contabilizar todo o bem que fizeram, com certeza, a dívida da humanidade para com eles seria incalculável e impagável. Em nome da APM regional de São José do Rio Preto, o nosso reconhecimento a todo o tempo. Palmas para vocês que celebram a essência humana com tanto empenho, dedicação e entusiasmo, apesar de todos os riscos.

Não há conhecimento e maturidade que nos salvem da nossa humanidade.


Dr. Leandro Freitas Colturato é presidente da APM - Regional de Rio Preto