Editorial - Dia do Médico – Dia de São Lucas (médico de homens e de almas)
A oportunidade de ressaltar a importância da Medicina como
um dos pilares mestres para o desenvolvimento de nossa cidade é, para mim,
sempre motivo de alegria, satisfação e muto orgulho.
A Sociedade de Medicina e Cirurgia de São José do Rio Preto,
fundada há 97 anos, em 1926, muito antes da Associação Paulista de Medicina,
representou, desde seu nascedouro, um fórum avançado da elite pensante, fincada
nos sertões por ainda serem conquistados deste imenso país. No início da década
de 60, quando aqui me fixei, a Sociedade era um centro de grande atividade
intelectual, não se restringindo às atividades apenas científicas, razão
principal de sua missão. Numa visão de vanguarda, já se preocupava com a
difusão dos conhecimentos na sua forma mais ampla e abrangente. O incentivo à
cultura e o acesso às artes, essencial para a percepção holística da
humanidade, eram tratados de forma especial, para que, mesmo afastados dos
grandes centros, pudéssemos manter nossa erudição a altura dos que estavam mais
próximos das fontes criadoras. Com a qualidade de iniciativas pioneiras e muta
informação, a Sociedade mantinha a classe médica unida em tomo dos seus ideais.
Esta herança permeou os anos e permanece até hoje, com a seriedade que a
caracteriza. Do seu seio nasceu, por vontade dos médicos, a Famerp, com a mesma
qualidade e o mesmo sentido de produção e difusão do conhecimento.
Não creiam, contudo, que a tarefa foi fácil. A sorte nos
brindou com pioneiros do mais alto gabarito. Profissionais que para cá vieram
na virada para o século passado, trazendo o cabedal de conhecimentos que tomou
Rio Preto, desde então, num grande centro de atendimento médico, atraindo
doentes de todas as regões do país. Citarei aqui figuras antológicas de um
passado que poucos recordam, fazendo-o sem o rigor que mereceria, pois, por
cento, a memória me trairá. Mesmo correndo esse risco, relaciono alguns dos
nossos colegas que sempre povoaram o cenário dos grandes médicos em minhas
lembranças: Dr. Cenobelino de Barras Serra, que foi colega de Lênin na Alemanha
e veio para Rio Preto para ser um grande cirurgião, além de político sagaz,
tendo sido eleito prefeito da cidade por mais de uma vez.
Dr. Gilberto Lopes da Silva, outro cirurgião na verdadeira
acepção da palavra, e que mantém até hoje seu nome e sua fama pelos méritos dos
seus descendentes. Como o Dr. Cenobelino, ele também foi prefeito da cidade.
Dr. Mano Valadão Furquim, pediatra com formação
internacional, um dos iniciadores da especialidade no Brasil.
Dr. Sinésio de Mello e Oliveira, grande oftalmologista, de
formação esmerada, que sempre se dedicou às causas sociais da comunidade. Foi
presidente da nossa Sociedade e, como os anteriores, prefeito de Rio Preto.
Seus descendentes deram continuidade à sua saga, mostrando seu amor pela
profissão que abraçaram.
Dr. José Maria Rolemberg, oftalmologista de grande
prestígio, deixou o importante Instituto Burie, de Campinas, do qual foi um dos
fundadores, para desenvolver sua atividade incansável em nossa cidade. Seus filhos
e netos prosseguiram sua obra contribuindo com seu trabalho, não só no campo
médico, mas também como líderes associativos, dando grande impulso ao progresso
da cidade e da nossa Sociedade Médica.
Dr. Oscar de Barros Serra Dona. cirurgião maiúsculo que fez
de Rio Preto um centro de atenção pela sua destreza e criatividade. Foi
incentivador incansável dos jovens e um idealista a toda prova. Se hoje temos o
Hospital de Base, devemos aos seus ousados sonhos. Deixou-nos cedo, mas seus
filhos e netos são a memória viva da nobre profissão que herdaram de um
ascendente ilustre.
Muitos outros deveriam ser reverenciados, porém, tomo a
liberdade de criar apenas estes, homenageando assim todos os companheiros que
transformaram Rio Preto no centro médico de excelência que é hoje.
Para enriquecer a narrativa histórica, cujos primórdios
foram decisivos para a cidade ser hoje referência nacional em tantas especialidades,
transcrevo, a seguir (leia à página 4), trechos, livremente adaptados, de um
texto escrito pelo meu pai, também médico, que aqui chegou nos idos de 1929,
exercendo Medicina de "corpo e alma”, trabalhando na profissão amada até
ser chamado a exercê-la em outra dimensão, na provecta idade de 86 anos.
Trata-se de um Editorial, elaborado por ele, e publicado na edição inaugural da
Revista da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Rio Preto, datada de janeiro de
1968.
O texto joga luz sobre as dificuldades enfrentadas pelos
pioneiros deixando evidente que o sucesso de nossa Medicina sempre foi construído
com muito sacrifício, bravura, abnegação e coragem. O esforço e a dedicação de
médicos que se sagraram heróis no início do século passado são tão valorosos
como as lutas e as dificuldades que até hoje muitos heróis, anônimos embatem
para preservar e solidificar a força e a competência da Medicina de uma Rio
Preto que, cada vez mais, se agiganta e ganha ares de metrópole.
Dr. Domingo Marcolino Braile, Médico, Professor Doutor,
Livre-Docente de Faculdade de Medicina de Rio Preto e Unicamp.