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Uma luta indeclinável

Dr. Rafael Antonio Barbosa Delsin

 

Guerras sempre desempenharam um papel fundamental na história da humanidade. Através delas, a sociedade foi se moldando. Até onde a arqueologia pode comprovar, os primeiros grandes exércitos foram os assírios.

Desnecessário dizer que as guerras estão, invariavelmente, associadas às grandes tragédias da raça humana por conta de todos os infortúnios que as acompanham. A proposta aqui, no entanto, é explorar um lado menos visível da evolução desses acontecimentos. Contrariando o senso comum, é surpreendente identificar eventuais benefícios para a própria humanidade, derivados do flagelo dos conflitos armados.

Na Antiguidade, Hipócrates era taxativo ao afirmar: "se você quer aprender Medicina... vá para a guerra". Obviamente, não era uma atividade isenta de riscos para os próprios médicos militares, mas qual estágio poderia ser mais apropriado para oferecer treinamento intensivo do que um campo de batalha?

Ao longo dos séculos, foi durante os combates que afloraram algumas descobertas científicas em vários campos do conhecimento e, em especial, na ciência médica. É o caso de algumas técnicas empregadas na sutura e reconstrução de vasos sanguíneos lesados. Também foi possível testar, em grande escala, novos procedimentos e medicamentos, como o emprego dos raios-X, da anestesia inalatória e da própria penicilina. Esta última mudou radicalmente a sobrevida dos soldados vítimas de ferimentos infectados durante e 2a Guerra Mundial.

Até pouco mais de 100 anos atrás, as guerras matavam, sobretudo, por conta das infecções que complicavam as feridas. As cirurgias eram muito limitadas por falta de anestesia e havia também as muitas doenças/epidemias (malária, tifo, cólera, varíola etc) que matavam não só os soldados, mas também a própria população civil envolvida. Morria-se, portanto, muito mais pelas doenças do que diretamente pelos ferimentos nos campos de batalha.

Esse cenário só começou a mudar a partir da 1a Guerra Mundial, não apenas em função do desenvolvimento de novas opções de diagnóstico e tratamento, como também em decorrência de novas e poderosas armas, com elevado poder letal. As metralhadoras são um bom exemplo, ao entrarem em cena no final do século 19. Foi somente então que os armamentos tornaram-se capazes de matar mais do que as doenças. Ainda durante a 1a Grande Guerra, conseguiu-se enfrentar de modo mais efetivo o choque hemorrágico. Foi durante a Guerra Civil Espanhola que se implantou postos avançados de transfusão e estímulo à doação. Mas, um novo desafio viria logo em seguida para desafiar as equipes médicas, já que, uma vez instalado, o choque hemorrágico que não fosse prontamente corrigido provocaria um enorme prejuízo ao funcionamento de diversos órgãos e tecidos e, dentre eles, os rins. Surgia a insuficiência renal aguda.

A Guerra da Coreia, no início da década de 50, permitiu as primeiras diálises em um cenário de guerra. As primeiras ambulâncias surgiram nos exércitos de Napoleão, mas foi aqui que os helicópteros se consagraram como a forma mais versátil e ágil para resgatar soldados. Contudo, de nada adianta a rapidez do resgate se o hospital que irá receber o ferido não estiver minimamente preparado. Foi durante a Guerra da Secessão que começaram a surgir alguns hospitais mais preparados para cumprir bem sua missão. Os chamados General Hospitals foram aos poucos se espalhando pelo território norte-americano. Alguns deles mais bem planejados e construídos no formato de pavilhões independentes.

Quando os tambores da guerra deslocaram-se para o Vietnã, a principal contribuição médica militar foi obtida no tratamento da insuficiência respiratória aguda pós-trauma que ficou conhecida como pulmão de choque ou pulmão úmido; hoje é designada por Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo.

Não podemos nos esquecer também do desenvolvimento do sistema de triagem médica, que continua a vigorar ainda hoje em nossos prontos-socorros, conhecidos como protocolos de avaliação de risco (em que os pacientes são classificados por cores).

O mundo vem se tornando um lugar mais violento e a luta desigual da Medicina, como instrumento de sua busca incessante para vencer a guerra contra a toda poderosa morte, continua...  

 

Dr. Rafael Antonio Barbosa Delsin é 1º tesoureiro da Diretoria da APM – Regional de Rio Preto.