A medicina e as mulheres
Dr. Rodrigo José Ramalho
A partir deste ano
o Brasil atinge uma marca para os livros de história: a predominância das
mulheres no exercício da medicina. O estudo de Demografia Médica, publicado em
2023 pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em conjunto com a
Associação Médica Brasileira, projeta para o fim de 2024 uma inversão na
prevalência de gênero com o diploma de Medicina. Serão 299.749 mulheres atuando
no mercado e 297.678 homens, o que representa 50,2% e 49,8%, respectivamente, resultado
aguardado já desde 2009, quando as faculdades formavam mais mulheres
anualmente, dobrando a presença na profissão em 20 anos.
Dados comprovam, ao
longo da história, a superação das mulheres em uma profissão marcada pela
desigualdade de gênero. Para se ter uma ideia sobre a luta feminina dentro da
carreira, em solo nacional, só depois de passados 79 anos do surgimento das
Faculdades de Medicina no país que a primeira médica recebeu o certificado.
Trata-se de Rita Lobato Velho Lopes, formada na Bahia em 1887 e que abriu
caminho para as mulheres que exercem a profissão nos dias de hoje.
As especialidades
“mais femininas”, de acordo com o estudo, são: Dermatologia (77,9%), Pediatria
(75,6%), Alergia e Imunologia (72,1%) e Endocrinologia e Metabologia (72,1%). As
mulheres são minoria em todas as especialidades cirúrgicas, como cirurgia
geral, em que são menos de 25% dos especialistas. Em urologia, ortopedia e
neurocirurgia os homens representam mais de 90% dos especialistas.
Elas enfrentam
inúmeros desafios no dia a dia da nossa profissão. Desempenham multitarefas na
nossa sociedade ainda machista e patriarcal: são médicas, mulheres, mães e cuidadoras
de idosos. As mulheres médicas diferem dos homens na escolha das especializações,
como já descrito acima, na fixação territorial, na jornada de trabalho e no
modo de exercício profissional. Elas tendem a permanecer em áreas com maior
oferta de empregos, notadamente os grandes centros, assim como optam por uma
menor carga de trabalho em relação aos homens, muitas vezes para sanarem os
diferentes papéis que necessitam desempenhar nas suas respectivas famílias.
Ainda, também fazem menos plantões quando comparado aos do sexo masculino e
classicamente optam por uma vida profissional mais curta.
O cuidar,
característica tão prevalente no gênero feminino, não pode ser sinônimo de
servidão. Elas são frequentemente subestimadas e desvalorizadas em comparação
aos homens, o que pode afetar sua autoestima e desempenho. Um desafio para a
carreira é reverter a desigualdade de renda entre os gêneros. A avaliação de
dados da Receita Federal no ano-base de 2020 demonstra que as profissionais do
sexo feminino declaram renda média anual 36,3% menor que os rendimentos
masculinos. É sistêmica a maior exposição a episódios de importunação sexual sofrido
pelas médicas, além das práticas de assédio moral e perpetuação do
preconceito de gênero, eventualmente até mesmo por outras mulheres. Resultado
de práticas sociais e institucionais que geram desequilíbrios de poder que
estão por toda a sociedade – e não confinados unicamente na medicina.
Mas nossas colegas médicas perseveram e
procuram praticar com excelência a nobre arte de cuidar do próximo. Estudos
mostram que as condutas e práticas das mulheres são mais eficazes nas ações
preventivas; se adequam mais facilmente ao funcionamento e à liderança de
equipes multidisciplinares; otimizam melhor os recursos, sendo menos inclinadas
a incorporar tecnologias desnecessárias; atendem mais adequadamente às
populações em contextos de vulnerabilidade e por fim, respondem melhor as
situações que requerem a compreensão de singularidades culturais e das
preferências individuais dos pacientes.
Nesse mês de março fica a nossa homenagem para todas que escolheram essa profissão, cada vez mais delas, capazes de agregar a determinação e a doçura, a inteligência e a beleza, o cuidar e o olhar, tornando nossa comunidade um lugar melhor para todos.
Dr. Rodrigo José Ramalho, presidente da
Associação Paulista de Medicina Regional de Rio Preto.