Aborto: direito adquirido
Dr. Rodrigo José
Ramalho
Recentemente o noticiário nos trouxe a lembrança dos tempos de retrocesso ao qual estamos expostos. Um grupo de deputados federais protocolou um projeto de lei em que o aborto depois da 22ª semana deva ser criminalizado como homicídio, inclusive em casos de estupro. O aborto é autorizado por lei desde 1940 em nosso país nos casos de gravidez decorrente de estupro e risco à vida da gestante, bastando para isso o consentimento dela ou de seu responsável legal. Mais recentemente foi dado o direito também em casos de anencéfalos.
Segundo o Anuário
Brasileiro de Segurança Pública de 2023, o Brasil registrou 74.930 estupros,
sendo que a maior parte das mulheres estupradas eram menores de idade, para ser
mais exato, 61% tinham no máximo 13 anos! Ainda, 68% dos crimes ocorreram na
residência das vítimas. Na visão de alguns, o direito da mulher sobre o seu
próprio corpo e a sua vida é um pecado criminoso. Equiparar aborto a um
homicídio simples é um destempero, é promover a aberração com prisão de até 20
anos para a vítima, incrivelmente maior até mesmo do que a pena para o
criminoso estuprador.
Sobra oportunismo político e ideologia hipócrita dos
arautos da propalada família cristã brasileira, cujo discurso de liberdade só é válido
para se expressarem e propalarem “fake news”. Essa lei como fora conjecturada
impõe severidade maior do que em países islâmicos, como o Irã (uma teocracia e
governado por um Aiatolá) e sendo muito semelhante ao Afeganistão. Olhem o
tamanho do retrocesso!!! Saibam que em Israel, talvez um país admirado por
parte dos políticos, o aborto é permitido e pode ser agendado online, inclusive
sendo flexibilizado por um ajuste da lei a partir de 2022.
Em sã consciência
ninguém é a favor do aborto e a forma que tal assunto tem sido abordado é
totalmente desconexa da realidade. Se trata de saúde pública e não uma decisão
política digna de uma teocracia pentecostal. A pergunta correta a ser feita é:
devemos propor a uma mulher estuprada que deseja abortar a cadeia ou uma rede
de escuta, assistência e afeto? E a resposta é tão óbvia que nos causa
indignação e afronta uma proposta absurda prosperar dentro da câmara dos
deputados.
É inconcebível que a polarização política afronte nossa civilidade e direitos adquiridos. O Brasil enfrenta uma guerra entre o poder de Estado, por definição laico, e forças religiosas que exigem a partilha do mando político, tentando impor uma teocracia pentecostal de araque. É inadmissível o retrocesso nos direitos das mulheres!
Dr. Rodrigo José Ramalho, presidente
da Associação Paulista de Medicina Regional de Rio Preto