Digitalização ou eliminação de prontuário pede cautela
Diante de recentes “orientações”
eivadas de equívocos que eventualmente possam conduzir o profissional de saúde
a erros e prejuízos, especificamente em relação ao armazenamento de prontuário
médico, entendemos ser premente a publicação de esclarecimentos embasados na
legislação e prática profissional, como segue.
O avanço da tecnologia traz
benefícios e comodidades em todos os aspectos da experiência humana, porém, se
alteram comportamentos e procedimentos, nem sempre alteram, com a mesma
velocidade, os consensos sociais.
O Direito, embora sempre em evolução,
segue seu próprio ritmo, mais lento que a tecnologia cientifica, mas nem por
isso perde o foco e, embora com certo atraso está continuamente trazendo
legislações pertinentes às responsabilidades legais que os progressos
científicos impõem aos profissionais da área da Saúde.
Um desses avanços é a
digitalização dos documentos relacionados aos procedimentos médicos, que, após
extensa discussão, foi finalmente regulamentada pela lei nº 13.787, de 27 de
dezembro de 2018. Essa lei, em conjunto com a Lei 13.709, de 14 de agosto de
2.018 (conhecida como LGPD – Lei Geral de Proteção de dados Pessoais)
regulamentou a digitalização e a utilização de sistemas informatizados para a
guarda, o armazenamento e o manuseio de prontuário de paciente.
Sem dúvida esta lei traz
benefícios e até mesmo tranquiliza prestadores de serviços de saúde. O
principal benefício é a eliminação dos enormes espaços que hoje são utilizados
para a guarda do prontuário físico e a tranquilidade vem do que dispõe o artigo
5º da referida lei, que confere à cópia digitalizada o mesmo valor probatório
do documento original para todos os fi ns de direito. É necessário, no entanto,
que os profissionais da saúde se atentem a alguns aspectos do texto legal,
posto que a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) n° 1.821/2007, que
dispõe sobre as normas relacionadas à digitalização dos documentos dos
prontuários dos pacientes, determina a obrigatoriedade de alguns cuidados
específicos.
O primeiro cuidado é relacionado
ao que é mencionado no artigo 4°, da lei n°13.787/18, que determina que “os
meios de armazenamento de documentos digitais deverão protegê-los do acesso, do
uso, da alteração, da reprodução e da destruição não autorizados”, ou seja, é
de responsabilidade dos profissionais da saúde a incolumidade dos arquivos
armazenados, bem como a manutenção estrita dos direitos de privacidade do
paciente. Em termos práticos, o dispositivo legal determina que não basta
“arquivar” os documentos num computador pessoal comum, ainda que com um sistema
de back-up. É necessário que exista assessoria especializada na segurança
desses arquivos, para que não caiam em mãos erradas.
Neste sentido, a rigor do artigo 1º, da citada
resolução CFM n° 1.821/2007, todo sistema de registro eletrônico em saúde, deve
ser certificado pela Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS),
respectivamente, entidade autorizada pelo Conselho Federal de Medicina.
Outro ponto que nos chama à
atenção, é a cautela que o profissional de saúde deve ter relacionada às
disposições legais sobre a validade dos documentos. A incidência ou não da
prescrição baliza o horizonte de responsabilidade que os profissionais de saúde
possuem sobre a guarda dos arquivos.
Enquanto que é de 20 anos o prazo
de armazenamento dos prontuários (art. 6° da lei 13.787/18), há determinações
legais discrepantes em nosso ordenamento jurídico quanto ao tempo de guarda
desses documentos. No Brasil, a prescrição da pretensão de reparação civil, na
área médica, é a do Código de Defesa do Consumidor, que em seu artigo 27,
afirma que esse prazo é de cinco anos. No entanto, deve-se atentar para o
início do período prescritivo, que, no caso de menores de idade, começa a
contar a partir da maioridade. É também importante observar que o início do
período prescritivo pode ser considerado, por exemplo, a partir da alta médica,
ou, ainda, a partir do momento em que se se constatou o dano, e ainda deve-se
considerar que há posição doutrinária com entendimento de que, em caso de
morte, não há prescrição.
Como observado pelo leitor,
tratam-se de normas ainda em discussão pela comunidade do Direito do Brasil e
do mundo, para as quais ainda não há um consenso inequívoco.
Nossa recomendação, diante do
baixo custo marginal de armazenamento de arquivos digitais, é que os profissionais
de saúde que optarem por arquivar os documentos digitalmente, façam um arquivo
permanente, ao menos até que exista um consenso no entendimento legal. Com
poucos centavos ao mês é possível armazenar documentos de milhares de
pacientes. É um custo baixíssimo diante dos problemas advindos da eventual
perda de registros.
Luís Antonio Velani é advogado da assessoria jurídica da Sociedade de Medicina e Cirurgia